Wednesday, April 18, 2012

Wagner, o fecho do ciclo da maldição do anel.
Lançado às águas do Reno, de onde o ouro tinha sido roubado, completa-se, com o Crepúsculo dos Deuses, a morte de Siegfried (o herói que é redentor e sacrificado), este ciclo de criatividade magnífica em que os mitos dos Edda e dos Germânicos são recuperados à luz de um novo olhar sobre a  condição divina ( humana ): humana, demasiado humana, como Nietszche teria dito!
E aqui temos um exemplo da universalidade dos mitos, arquétipos estruturantes do nosso imaginário, para usar termos junguianos, nesta obra de uma escritora brasileira de sucesso, cujo título é O Crepúsculo dos deuses, oferecendo aos  leitores de hoje a sua interpretação da Aurora e do Declínio dos deuses que secretamente ainda comandam os destinos e as vidas...

Monday, April 16, 2012

A LÓGICA DO IMPREVISTO

Neste pequeno filme do Museu Magritte temos uma espécie de resumo do seu imaginário: libertos da atracção da gravidade ( em sentido formal e em sentido metafórico) os seus objectos, que não são o que dizem ser, o cachimbo não é um cachimbo, o chapéu não é um chapéu e ele mesmo não é ele mesmo (é um duplo de representação) - os seus objectos tomam balanço e voam, dançam no espaço, flutuam...como se nos quisessem dar a ver uma outra realidade, tal como no seu auto-retrato se dá a ver não o homem real mas um seu alter-ego, um entre os muitos possíveis.
A questão que a sua pintura,  e a "leitura" deste filme nos colocam é afinal bem simples: a do mundo do possível, num imaginário liberto, não apenas da "gravidade" mas da realidade em si mesma.
É por via da "representação" que o pintor discute o seu conceito de arte e de criação artística.
Nada é real, mas tudo é possível, no mundo da representação.

Sunday, April 15, 2012

A IMAGEM


Imagem, imaginar, imaginários – uma mesma raiz aberta a múltiplas reflexões.
A Imagem é uma Representação.
Remeto para o célebre quadro de René Magritte, um óleo datado de 1928-1929, um cachimbo, com uma legenda por baixo: ceci n’est pas une pipe.
Estabeleceu-se, com esta legenda, uma primeira reflexão sobre o que é uma imagem: é uma representação (do real) a não confundir com a realidade em si mesma, que seria no caso, um cachimbo que se pudesse fumar! 
Aliás o título do quadro já é uma indicação do entendimento que o pintor tem das imagens face ao mundo real: o título é LA TRAHISON DES IMAGES.
E este é o comentário do artista, quando à sua volta se ergueram vozes de escândalo:
“ O famoso cachimbo. Como fui censurado por causa dele! E no entanto, seria possível carregar de tabaco o meu cachimbo? Não, é só uma representação, não é verdade? Por isso, se eu tivesse escrito no meu quadro
 ’isto é um cachimbo’, estaria a mentir! “
Michel Foucault discute no seu estudo de 1973, Ceci N’est Pas Une Pipe, o aparente paradoxo com que o quadro nos confronta.

Falando de imagem /representação podemos discutir se a representação o é de um objecto real (como neste quadro) ou de um objecto imaginário: com este conceito de representação do imaginário, trazendo-o até nós, tornando-o por sua vez real deste modo, alcançamos, ou propomos, um novo patamar de discussão. 
Neste patamar teriam lugar de destaque os Surrealistas e as suas criações, vivendo do imprevisível, do surpreendente, do que poderíamos chamar a lógica do inconsciente.
E neste caso já o real em si mesmo pouco nos preocuparia, dado que um outro real – o imaginário – se tinha tornado visível e apetecível.
Este é um patamar onde para além da questão da imagem se coloca uma outra: a do dizer, e em que linguagem: pictórica, literária, musical, etc. (deixando de fora um imaginário não menos interessante, o científico, com as novas capacidades de elaboração tecnológica hoje tornadas possíveis).
Este sufixo im, presente nas várias formas que acima indiquei, remete desde logo “para dentro”, ou seja para uma íntima visão (representação) emanada / construída a partir das esferas da nossa psique (consciente, sub- e in- consciente).
Sendo assim, a Imagem, neste contexto, mais restrito ou mais amplo, terá sempre uma forte marca de subjectividade. 
Nada que incomode um criador…ele procura, não o real imediato, acessível, mas a parte de mistério que o transcende. Algo como um para-lá do real  de que o criador resolveu ocupar-se.
Podemos perguntar: mas há mistério no real ? Não é o real uma absoluta objectividade em si mesma? 
Pelos vistos não, para um criador que o interroga e pelo caminho se interroga também a si mesmo.
A imagem, tomada no sentido da Psicologia das Profundidades (Jung) é uma forma que se constrói nos sonhos, nas imaginações e  fantasias a partir de um núcleo de relacionamento entre o Sujeito consciente e a esfera profunda do Inconsciente. A alma (die Seele, Jung) projecta nas imagens a psicodinâmica do inconsciente na consciência. A alma cria imagens e símbolos e é ela mesma Imagem (itálico meu).
Imagens e símbolos, diz  ainda Jung, são de origem mais primitiva e mais variada do que a linguagem, e por isso um importante fundamento da comunicação humana. 
Podemos avançar um pouco mais pelos conceitos : imagem, representação, projecção de conteúdos do inconsciente.
Nos casos de que nos fala Jung, os sonhos, as fantasias, o conceito de Alma- sendo que a Alma é Imagem, é representação de uma Essência que de outro modo não seria inteligível – fomos sendo guiados para a tal visão íntima, subjectiva, da representação.
Mas fomos avançando um pouco mais. 
Da Imagem /Representação à Imagem/Comunicação:
1. em primeiro lugar do eu consigo mesmo (imagem /representação, do inconsciente à consciência)
2. e em segundo lugar do eu com o outro, com o mundo (por via da representação / comunicação)
E fica uma pergunta: não poderá haver um centro próprio, específico, demarcado no cérebro de forma mais objectiva que seja o criador da imagem, e da representação?
Ao “mapear” um cérebro o que descobre, ou o que poderá vir a descobrir um dia, o neurobiólogo do século XXI?
 Guardo a ideia de que a imagem é talvez a sinapse de dois neurónios felizes que se entendem, como na definição de Eternidade que Rimbaud nos oferece no seu poema  L’ÉTERNITÉ, de 1872:
“Elle est retrouvée. / Quoi? – L’Éternité. / C’est la mer allée avec le soleil”
ou seja, o mar e o sol, a água e o fogo, numa conjunção ideal de completude: eis a sua imagem /representação da Eternidade:
Rimbaud
L’ÉTERNITÉ

Elle est retrouvée.
Quoi? – L’Éternité.
C’est la mer allée
Avec le soleil.

Âme sentinelle,
Murmurons l’aveu
De la nuit si nulle
Et du jour en feu.

Des humains suffrages,
Des communs élans
Là tu te dégages
Et voles selon.

Puisque de vous seules,
Braises de satin,
Le Devoir s’exhale
Sans qu’on dise: enfin.

Là pas d’espérance,
Nul orietur.
Science avec patience, 
Le supplice est sûr.

Elle est retrouvée.
Quoi?- LÉternité.
C’est la mer allée 
Avec le soleil.