Sunday, May 12, 2013

O Nevoeiro de Caspar David Friedrich
(pensando na Europa de hoje)

Grande, talvez o maior pintor do Romantismo alemão, reflectindo nas suas obras a saudade de uma nação que fora humilhada pelos franceses de Napoleão e desejava agora uma unidade que nunca tinha tido. Seria a Prússia que, de Berlin, e derrotado Napoleão pelos ingleses, em Waterloo, pela mão do Rei Frederico  irá tentando concretizar esse ideal. Neste video, em que circulam as imagens dos seus quadros, o que mais se destaca é a dimensão de um céu que é absoluto, face à peqeunez das personagens, quando existem.
O autor do video chamou-lhe - vou traduzir a meu modo - Maravilhamento e Entrega: Wonder and Surrender.
E de facto, se pudessemos ficar umas horas em Berlin, no Museu, sentados em contemplação silenciosa, a emoção maravilhada seria a reacção mais natural.
Por várias razões: pela arte subtil, sem dúvida, mas acima de tudo pela dimensão da mensagem que ali ficou cifrada e nos desafia até hoje.
A Mulher à Janela, de costas para nós, os outros, fechada nos segredos e desejos do seu mundo, que talvez não caibam nas quatro paredes dessa sala.
O gosto pela natureza selvagem, carregada de símbolos e mitos que alimentaram poemas e baladas de Goethe, Heine e outros, que Schubert transformou em Lieder e nessa natureza a emoção que os enormes céus, longes, abertos, despertam no pintor e em quem o vê. Este é o céu, talvez carregado de promessas de uma Alemanha livre e consciente de si própria, do seu destino místico e profético, de um verdadeiro romântico: o que busca o sentido do destino, da alma, da existência própria e da sua pátria.
Esta nostalgia da pátria condutora, por se sentir maior e melhor nos seus valores, está já expressa em Fichte, o filósofo que perante a invasão napoleónica clama para que se ergam os mais bravos, os mais nobres da nação alemã. E faz a longa e patriótica enumeração das qualidades que só os alemães possuem, como podemos ler nos célebres Discursos à Nação Alemã. Fichte é, no século XIX, o rosto político de um Lutero do século XVI, também ele desprezando o sul católico e pervertido, sem moral.
Neste ambiente se formam culturas, pensamentos, obras de criadores. Richard Wagner será quem leva mais longe este Romantismo mítico exarcebado.
Dos quadros de Caspar David, um que não se encontra neste video, mas será fácil encontrar pelo google, eu gosto especialmente, e logo pela sugestão do título, do óleo Der Wanderer ( O Viandante, ou o Caminhante) em que vemos um homem solitário de pé sobre uns rochedos, de costas para nós num mar de nevoeiro (este virar de costas, nas suas personagens é muito significativo de uma recusa do mundo, em busca de outra coisa, noutro mundo) e absorto na contemplação de um céu imenso que se torna no principal "actor" (perdão pela banalidade) da encenação que o quadro pressupõe: a encenação de um grito de alma, de um apelo (como o de Fichte) de uma saudade de algo que nunca existiu, do Todo e Uno da Pátria, também ela corpo e alma na dissolução de um sonho.
Mas o sonho está ali mesmo à frente, no horizonte imenso, no céu que absorve e distrai.
O caminho é "para lá", immer weiter, até que sentido e destino, Ser e Tempo, de novo se confundam.
O grave é que esse homem de pé no mar de nevoeiro que o envolve corre perigo: o perigo de simplesmente não ver, de tanto querer ver mais e melhor.

Monday, May 6, 2013

Agora, como outrora, encontro na criatividade dos Modernistas do movimento Bauhaus, uma fonte de permanente inspiração.
Repensaram conceitos, alteraram modelos, propuseram formas em todas as áreas de que se ocuparam: da arquitectura ao design, da cenografia (outra forma de arquitectura, de palco) à pintura, à produção dramática, fazendo no especial caso do ballet propostas de movimento e geometria de rara beleza, primeiro com marionettes, e depois inspirando o imaginário exigente e rigoroso dos novos coreógrafos numa depuração antes considerada impossível.
Mas não há impossíveis na criação artística!
Trago aqui o exemplo de Oskar Schlemmer, ao qual gostaria de acrescentar o mais recente exemplo de pura geometria dos corpos em movimento da produção DANCE BAILARINA DANCE, de Clara Andermatt com a Companhia Nacional de Bailado.
Uma obra-prima de imaginação e rigor, só possível devido à grande qualidade de todos os intervenientes, bailarinos e músicos, cenógrafo e compositor - partindo de uma ideia de recuperação ampliada de temas de outrora dos clássicos musicais americanos.
Um exercício de pura reinvenção e alegria, mas de uma modernidade sem par!
Grande lição  a alguns criadores: aos que julgam que nada está feito, ou que tudo está feito, todos errando por igual....
Aguardo que muito em breve se possam encontrar, no youtube, momentos mágicos de Dance Bailarina Dance, para rever e estudar essa harmonia dos corpos que Clara redesenha em movimento!

Thursday, October 25, 2012

1913.
Em plena revolução do imaginário artístico Modernista, Stravinsky com Nijinsky apresentam ao público abismado das salas de Paris esta obra-prima, a Sagração da Primavera. Aplaudida por uns pateada por outros, como seria de esperar.
Só nos anos 70 se redescobre, pela mão de coreógrafos e historiadores da dança, num conjunto de fotos, notas, diários e outros materiais de arquivo o que fora esta explosão de novidade, agora recuperada e recriada. 
Teatralização pujante, intensa, violenta (na quebra da elegância virtuosa das coreografias habituais) de um antigo ritual de fertilidade dos antigos eslavos, em que todos os anos pela Primavera uma jovem era sacrificada ao deus Sol, para que as colheitas abundassem, a vida na terra continuasse, graças a este sacrifício a que a eleita se entregava de livre vontade.

Wednesday, August 22, 2012

Debussy

 Debussy será celebrado ao longo deste ano e do próximo.
Recordo aqui a maravilhosa encenação de Bob Wilson:
um compositor que ama a palavra e a sua magia, encenado por um director que ama a imagem e a sua magia...
Estamos na fronteira da ópera para uma modernidade que Wilson assume e ultrapassa.

Friday, August 3, 2012



Pronto a ser distribuído - para ser lido, claro! um livro que mantendo uma informação correcta procura ao mesmo tempo não esconder o que há de maravilhoso no universo que os astrónomos estudam...as ilustrações, de Pedro Gama, enriquecem a narrativa, sobretudo na elaboração da lenda que ora separa ora une um rei e uma rainha que se procuram e se amam.
O amor é a energia que sustenta o universo criado e as criaturas que vivem nele e o contemplam...

Saturday, July 7, 2012

Marina Abramovic

Marina Abramovic nos anos 70 afirma-se como Performer, num momento em que não se distinguia bem o que era essa nova forma de expressão em que o corpo, exposto no palco ou em qualquer outro espaço, se torna matéria, sujeito e objecto dessa então nova expressão criadora.
Entre nós só um Alberto Pimenta atingiu um alto grau de perfeição no exercício da Performance enquanto "discurso" autónomo. Recordo o seu (agora já transposto em livro) desafio de permanecer encerrado na jaula dos gorilas, impávido, enquanto o público, atónito, parava e comentava...
Há um elemento de profunda ironia e desafio no exercício da Performance : auto ironia, pois se devolve um sentimento de distância em relação ao que se faz, por muito complexa que seja a aposta e extrema a concentração, não isenta de sacrifício e dôr; e desafio, pois o que o artista nos diz é simples, mas só em aparência: estás a ver, mas estarás a apreender por completo?
Mais do que adesão sentimental a Performance, como forma superior de Arte, exige atenção, concentração e percepção, dos mínimos detalhes. O segredo estará sempre nos detalhes.
Este exercício do video que escolhi é apenas um exemplo: Marina, não por acaso amiga íntima de Bob Wilson, foi ao longo dos anos aprimorando o domínio, do corpo e da arte, até atingir formas impossíveis.
Aqui, com um pente e uma escova, se discute o que é o Belo na Arte, "Art must be beautiful" e adiante, com um espreitar súbito, que torturas são ou podem ser infligidas ao corpo do artista. O modo repetitivo é uma forma de incantação, que também faz parte da arte...
Vale a pena estudar o seu percurso. 

Saturday, June 30, 2012

Bob Wilson: um desassossego de imagens

Bob Wilson, criança tímida, gaguejante, que uma professora ajudou sugerindo-lhe que dissesse tudo mais devagar, com tempo, veio a fazer mais tarde, nas suas criações, esse mesmo exercício do atrasar do tempo, do movimento num espaço já redesenhado pela sua formação modernista de arquitecto e pelo seu imaginário surrealista, libertário, de cenógrafo, de coreógrafo, de encenador original e irreverente.
Diz, numa célebre entrevista que podemos ver no dvd ABSOLUTE WILSON que tudo se resume a perguntar What is this ? O que é ? como perguntam as crianças na pequena infância em que tudo é novo à sua roda. 
O que é isto? E ainda: Porquê, acrescentaria eu, como na Alice de Lewis Carroll interroga a lagarta fumadora.
Porque  qualquer resposta à pergunta inicial (iniciática) de "o que é isto" levará a que se coloque a interrogação do "porquê", não menos importante.
No caso de Bob Wilson o porquê da resposta é dado na multiplicidade das suas obras, dos desafios que se lança a si mesmo, numa interrogação-resposta permanente. 
Onde falta a palavra abundam as imagens, as imagens são a substância mesma da narrativa, por muito incompreensível que possa parecer. A Associação livre, aleatória, contém e revela o seu segredo: é por vezes nos cadernos de esquissos que a animação da cena nos surge em ordem íntima; pois como Wilson diz também (na entrevista do dvd que referi) ao caos original é preciso impôr alguma ordem.
Não uma ordem total que venha a abolir a desordem da criação, mas "alguma ordem" que ainda assim permita que uma parte desse caos respire, se manifeste, exista como Obra.
Não admira que um dos Papas do Surrealismo francês,  o poeta Aragon, tenha aclamado Bob Wilson como o verdadeiro surrealista por excelência, o que transpôs toda a linguagem do inconsciente, sem filtro, para as criações do seu mundo exterior, o palco,  que passou a ser o espaço de expressão da consciência liberta e criadora.
Não há palavras que cheguem para descrever a originalidade, abundância, o desassossego, a bebedeira de imagens com que Wilson a seu modo nos embriaga também. Podemos viver e reviver com ele esse excesso, não o poderemos nunca abarcar e descrever por completo.
Há uma diferença essencial entre o falar e o dizer : no seu caso não se trata de acumular, falando por falar, mas de abrir os portões da alma e do dizer como livre expressão de um Verbo fundador.Ora mais contido, ora frenético, ou quase, de tão reprimido inicialmente.
Faz as perguntas, dá as respostas...aqui estão os porque sim :
numa explosão de ideias, numa explosão de imagens, numa explosão de luz!