Saturday, January 15, 2011

O Olhar dos Modernistas





A primeira década do século XX traz grandes modificações à Arte e à Cultura Visual:
com o Futurismo, com o Cubismo, na cidade de Paris, à época considerada a capital de toda a inovação, podemos descobrir como a representação do corpo foi evoluindo.
Neste óleo de Picasso, iniciado em 1908 e completado em 1909 (já com os Futuristas em plena actividade, com os Manifestos de Marinetti, com as produções de Braque e outros como Marcel Duchamp apresentando o novo imaginário da Velocidade, do corpo em movimento) podemos encontrar algo da antiga Vénus, de formas generosas, um corpo que se oferece ao olhar na semi-escuridão de uma caverna, ou de uma floresta, com um forte pelo aos sentidos.O quadro tem dois títulos: La Dryade, ou a Dríade (ninfa da natureza, forma do Feminino elementar) e ainda Nu dans la Forêt, Nu na Floresta; este título terá mais a ver com a evocação das Vénus primordiais, o seu culto, a sua energia mais fecunda e mais óbvia.
Também neste caso se pode aludir, como têm feito alguns historiadores de Arte ao elemento do exagero - mas agora bem consciente e bem intencional- na "deformação" por assim dizer, do corpo e dos membros expostos.Seios, ventre, coxa têm uma iluminação especial que atrai o olhar de imediato, obscurecendo outros elementos, como o rosto, meio fundido com a rocha ou chão ou tronco de árvore esbatidos como suporte no fundo da tela. Aliás a posição do corpo também se revela ambígua: meio erguido, ou encostado ou mesmo semi-deitado- mas entregue de forma sensual, efeito obtido pela luz incidente.
Esta é uma fase em que Picasso e Braque se interessavam pela representação da forma humana já a caminho dum novo ismo: o Cubismo, de que o espanhol será o máximo e mais longevo representante.
O título do quadro explica mais cabalmente o seu significado simbólico e a razão pela qual podemos aqui evocar a Vénus primitiva.
As dríades são entes mitológicos da antiga Grécia, habitando as florestas, evocando os antigos mistérios e rituais de iniciação pagã. As sombras que envolvem a figura acentuam a ambiguidade do simbolismo (sexual) desta representação.
Referi-me ao Cubismo.
Mas vejamos também, para comparação, um outro óleo, de 1910, representando uma mulher sentada: Femme Assise dans un Fauteuil.
Nesta altura já tudo tinha mudado no conceito de representação, cada vez mais afastado da ideia de "imitação" herdada da Poética de Aristóteles em que se propunha como exercício da arte a imitação do real.
A ideia de real já era outra, na arte do século XX, o mesmo se podendo dizer do conceito de imitação. Não se imitava, na arte, antes se exprimia, se representava a imagem de um mundo exterior ou interior (como na produção onírica dos Surrealistas) numa desarticulação que só o rigor formal, de pura geometria, articulava.
Umberto Boccioni, um dos mais importantes futuristas, dirá num seu panfleto de 1914, que
" um quadro de Picasso não tem lei, não tem lirismo, não tem vontade" (entenda-se por vontade "energia").

Este era o tempo dos muitos manifestos, da negação do passado, que cabia aos museus, como dirá Almada Negreiros, o tempo da celebração da força, da energia, da luz eléctrica nas fábricas onde o progresso crescia, onde tudo devia ser, na vida como na arte, liberdade em movimento, velocidade permanente.
Num texto que intitulou O Círculo não se fecha, de 1914, afirma Boccioni que a ciência transformou por completo o modo como os artistas podem (devem) exprimir as suas emoções. Partira-se outrora, na arte, "da matéria simples e informe para a ultrapassar". E agora a arte cumpriria esse destino.
De facto, já Freud tinha publicado A Interpretação dos Sonhos, Einstein apresentado a Teoria da Relatividade, Joyce publicado Ulysses.
Dinamismo é a palavra-chave (outrora fora animismo, realismo, simbolismo).Um dos quadros mais célebres de Boccioni, de 1913, tem por título Dynamisme d'un Cicliste, Dinamismo de um Ciclista.
Tudo tinha mudado, e a Primeira Guerra Mundial estava às portas da Europa.

1 comment:

observatory said...

ainda funciona

magnifico saber que ainda a tenho a mão do cerebro