Abrindo a discussão: No capítulo IV da edição Taschen, para quem nunca tenha podido admirar ao vivo os desenhos e gravuras de Escher, temos a reprodução de círculos e espirais no espaço formando nós, bandas de Moebius (que ilustram este post ) formas concêntricas, espirais, espirais esféricas, laços de união (sendo que estes remetem para algo de muito interessante e que teríamos de estudar à luz do antigo mito do andrógino, do Banquete de Platão).
Mas por agora o que desejamos é ver até que ponto, numa proximidade apenas de hipótese de trabalho, o exercício de Scheele nas suas esculturas pode ser aproximado do exercício igualmente geométrico de Escher nas suas gravuras.
Num como noutro caso se desejou trabalhar no espaço aberto, infinito, embora a "materialidade" da obra obrigue, como é óbvio, a que a criação ocorra em espaço limitado. Mas fica o impulso, o desejo, a suspensão.
Apesar da gravura intitulada Ordem e Caos (colocada em primeiro lugar no post) a contemplação da obra de Escher impõe-nos ao espírito a ideia de Ordem, a ideia antiga da geometria que estrutura e ordena (tem de ser este o termo) o universo criado. Se o múltiplo disperso nas margens da gravura evoca a dispersão inicial, logo a estrela inscrita na esfera aprofunda e impõe essa ordem que subjaz à necessidade do acto de criação.
O múltiplo é o lixo, o que se perde nas margens, o Uno, que estrutura, será então a imagem que transporta consigo o tal sentido maior, que dá substância e confere existência real à forma que nele se procurou redescobrir. Porque tudo o que existe, de algum modo existia já, ou não seria possível que passasse de potência a acto (afirmação que teríamos de ir meditar em Leibniz, matemático e filósofo do século XVII que talvez Escher tenha lido...)
Se o lixo da gravura remete para tempos modernos: lata de conservas, casca de ovo, ainda que este possa ser memória do ovo primordial já fracturado,vidros partidos, cachimbo, etc, - já não é lixo o sólido geométrico que figura no centro.
Tem antepassado digno e igualmente complexo de significação: refiro-me a Durer e à sua Melancolia .
Retomando a ideia de que partimos, no post anterior, dedicado a Scheele, sobre novas formas para novos sentidos, gostaria que se reflectisse sobre o que Escher escreve àcerca da sua obra de gravador:
"Dá a maior satisfação adquirir conhecimento artesanal, capacidade de conhecer profundamente o material que está à disposição e aprender a usar com mestria os utensílios de que se dispõe em priemiro lugar: as próprias mãos.Mas depois veio o momento em que os meus olhos puderam ver claro. Percebi que o domínio da técnica não era mais a minha finalidade, porque fui tomado por um outro anseio, cuja existência até então me era desconhecida. Vinham-me ideias que nada tinham a ver com a arte da gravura, fantasias que me cativavam de tal maneira que desejava absolutamente transmiti-las a outros. Isto não podia acontecer com palavras,pois não eram pensamentos literários, mas sim imagens de pensamento que só poderiam tornar-se compreensíveis aos outros quando lhes pudessem ser mostradas como imagem visual.Hoje escolho, entre as técnicas que adquiri, aquela que, mais do que qualquer outra, oferece uma melhor representação de um pensamento determinado que me absorve....Olhando para os enigmas que nos rodeiam e ponderando e analisando as minhas observações entro em contacto com o domínio da matemática. Embora não tenha qualquer formação e conhecimento das ciências exactas, sinto-me frequentemente mais ligado aos matemáticos do que aos meus colegas de profissão".
Há nestas declarações alguns pontos de grande importância a ter em conta:
1. bom e completo domínio dos materiais e técnicas de trabalho
2. realização de que não é a técnica, em absoluto e só por si que satisfaz o artista
3. existência de imagens-pensamento obrigando o artista a um acto de criação que permita a partilha de tais imagens com outros
4. neste caso preciso de Escher, que pode não se verificar com outro tipo de artistas, a capacidade de se maravilhar com o mundo que o rodeia e alimenta o seu imaginário, a sua fantasia, descobrindo que a sua arte tem afinidades com outros saberes, como a matemática, arte da pura abstracção por excelência
Podemos concluir lembrando que a cultura visual parte de muitas formas de conhecimento, produção artística e diversificados modos de divulgação.
A Cultura Visual vive da Comunicação, hoje globalizada.
Houve um tempo em que tudo estava nas cortes, nos conventos, mais tarde nos museus, hoje tudo se abriu, no mundo da arte, da ciência e da cultura.
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