Tuesday, September 16, 2008

A Forma e a busca do Sentido



A exposição de Georg Scheele que vai ter lugar na galeria São Mamede a partir de 25 de Setembro tem por título New Forms for New Sence: julgo que haverá gralha neste termo sence : devia ser sense (sentido) ou então science (ciência) ou então, ao gosto e humor post-moderno, trata-se de uma fusão de sense e science deixando o visitante-leitor com essa dúvida, que poderá sempre esclarecer falando com o artista.
Seja como fôr, a ideia de forma nova para novo sentido ou, sendo ciência, para novo conhecimento ( e todo o conhecimento tem sentido ou não é conhecimento)serve bem este propósito que me leva a abrir um novo blog, dedicado aos estudantes de Cultura Visual.
Remonta à década de 80-90 a discussão mais sistemática da Cultura Visual entendida como "novo" objecto de apreciação, de um ponto de vista antropológico, sociológico, político, e não meramente artístico ao modo da disciplina de História de Arte como era dada nos antigos cursos das décadas anteriores.
O conceito de cultura visual vive do conceito primeiro de cultura: experiência artística ou saber acumulado por um indivíduo, um grupo, um povo, uma época civilizacional.
Assim falamos, por ex. de civilização pagã, civilização cristã, islâmica, outras ; e de um segundo conceito: o de imagem, ligado a essa cultura de que nos ocupamos, seja antiga,moderna ou post-moderna, a dos nossos dias.
A imagem dada a ver cumpre a função importante de instruir, marcar, instrumentalizar (quando é o caso) formatando uma determinada cultura e memória.
Chegamos a outro ponto importante: não há cultura sem memória, e a cultura visual, desde os tempo mais distantes, o que fez foi preservar a memória da existência de uma determinada cultura.
O que sabemos hoje da antiga civilização egípcia, dos seus hábitos e práticas, religiosas e culturais, está guardado nos hieroglifos que a arqueologia, ao longo dos anos, tem posto a descoberto. Podemos entendê-los como uma espécie de primeira banda desenhada onde tudo o que acontecia ou era imaginado no reino era contado ao pormenor: batalhas, vitórias, festejos, castigos, sem excluir a travessia das almas depois da morte, com um julgamento final em que o deus do além pesava o bom e o mau de cada uma para decidir do seu destino.

Muito caminho se percorreu desde estas primeiras "bandas desenhadas", de carácter realista, função pedagógica e moral até às mais modernas, de puro entretenimento, consumo rápido e pretensamente inconsequente.
Ideia que deve ser discutida pois, se se tratar de arte, nada é inconsequente.

Voltando agora à exposição que anunciei:
Georg Scheele vive e trabalha em Portugal desde os anos 90.
Encontrou no nosso país as jazidas ideais do mármore com que gosta de trabalhar. Vem-me à ideia o nosso João Cutileiro, que também fez do mármore uma das suas melhores formas de narrativa (mais suportada no real, enquanto Scheele trabalha formas abstractas, e nelas propõe que se busque o sentido).
As esculturas de Cutileiro têm a marca de um artista que trabalha com alegria sensual o corpo da mulher, as fontes onde se debruçam meninas, as árvores que crescem e florescem no seu paraíso individual,os grandes guerreiros que gostaríamos de ter à porta dos nossos jardins, a proteger-nos. A sua herança é clássica, sem por isso deixar de ser moderna, no desafio arrojado que lança ao público. O desafio é uma das características que as práticas do Modernismo trouxeram ao mundo das artes, (basta recordar os exemplos de pintores, poetas, compositores, do Expressionismo, Futurismo, Dadaísmo, Surrealismo, etc.).
A escultura de Georg Scheele não convoca o realismo da matéria do corpo ou da natureza em redor. Nascido em sessenta, a sua formação ( a sua cultura) é outra, de matriz conceptual, abstracta, diria quase matemática.
Também desde um Miguel Ângelo, um Rodin um Moore (ou um Cutileiro entre nós) se caminhou bastante até Scheele.
Se na criação dita realista, naturalista, o sentido está contido e é explícito na forma que adquiriu, na moderna ou post-moderna criação o sentido está para além da forma que enfrenta, confronta, desafia, deixando logo bem claro que o sentido nunca será um só.
Fragmentação, multiplicidade, abertura de formas e sentidos são as características mais notórias da era moderna e post-moderna.

II

Será discutível, mas entendo que não há inovação sem tradição, como não há cultura sem memória. A marca da tradição, artística, cultural, neste caso de que nos ocupamos, pode ser mais forte ou mais fraca, mais consciente ou inconsciente, intencional (quando é uma "citação" ) ou involuntária (quando se tratou de imagem submersa no inconsciente e que alguma coisa fez trazer à superfície) mas não deixará de se manifestar de uma forma ou de outra.
Na lição moderna e post-moderna cabe ao observador estabelecer os nexos que possam existir.
Só por isso não me coibo de trazer à discussão, nestas obras de Scheele de que uma amostragem nos é dada no seu site do google, a obra de um grande criador, que mexeu com o imaginário científico e artístico de muitas gerações: M.C.Escher.
O seus moebius 1 e 2, os seus laços, os seus pássaros são construções que partem de uma objectividade científica que nos parece impossível e no entanto ali está, a pôr-nos à prova, a desafiar o nosso gosto, o nosso sentido de equilíbrio, a nossa imaginação. Escher oferece-nos o impossível, tornando-o mais do que real.
Com ele se caminhou para um fantástico-real de que passará a haver igualmente exemplos na arte da literatura, ( Jorge Luis Borges, Italo Calvino, entre outros) e sobretudo do cinema, arte-rainha da imagem.



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