Wednesday, September 17, 2008

Ilustração e Cultura: Lima de Freitas


Uma obra como a de Camões não poderia deixar de inspirar os nossos grandes pintores.
Lima de Freitas foi um dos que se entregou à obra monumental de ilustrar alguns dos mais belos momentos desse clássico.
No soneto CXIII da edição da lírica completa desabafa o poeta contra o infortúnio da sua vida que só lhe consentiu desgosto e desfavor, como se ele somente à morte tivesse algum direito.
Lima de Freitas trata o tema com uma força e intensidade que nada deixam a desejar ao que foram as exclamações do poeta: sentado em meditação no interior de uma enorme caveira, tem apenas a seu lado a esfinge, o animal mítico que guarda os segredos da existência, não os revelando mas antes enchendo de temor a quem a contemple. 
Conhecemos de Durer, a caveira evocadora da morte que a todos espera, no retrato de S.Jerónimo, para não falar da célebre tragédia de Shakespeare, Hamlet onde também ele reflecte sobre o dramático destino do homem, colhido entre a existência, a vida, que pode não merecer, e o fim que a todos aniquila.
Contemporâneo da grandeza de Durer, Camões na sua lírica exprime bem o mal da alma, a dôr do sofrimento de uma existência rica de experiência mas excessiva de abandono e perda, a começar desde logo pela corte e pelo rei que o ignorarão perdido nas ruas de Lisboa, entregue apenas aos cuidados do seu escravo Jau.
Eis o soneto que Lima de Freitas ilustrou:

Que poderei do mundo já querer,
Pois no momento em que pus tamanho amor,
Não vi senão desgosto e desfavor,
E morte enfim, que mais não pode ser!

Pois me não farta a vida de viver,
Pois já sei que não mata grande dor,
Se houver cousa que que mágoa dê maior,
Eu a verei ,que tudo posso ver.

A morte, a meu pesar, me assegurou
De quanto mal me vinha; já perdi
O que a perder só ela me ensinou.

Na vida desamor somente vi,
Na morte a grande dor que me ficou.
Parece que para isto só nasci!


Metido numa caveira que ainda não é sepulcro mas é noite da alma, face à temível esfinge: cabeça e peito de mulher, asas de ave de rapina, corpo de dragão, patas e garras de leão, quão pequeno fica o homem, que diminuído o seu poder, que assustadora a sua natureza, a sua sonhada grandeza completamente anulada. Mestre Lima de Freitas buscou nas imagens pensamento de que falava Escher o enquadramento ideal para a tortura de Camões.



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