José Gil, numa obra
que gosto de recordar, A Imagem-Nua e as pequenas percepções (1996), abre com “A visão do invisível” e
dedica um capítulo em especial ao “Caos e Quadrado Negro” (p. 135).
Interroga-se José
Gil: “ Porque é que a percepção estética precisa de ao mesmo tempo conhecer e
ignorar a forma como objecto? Se a percepção neutraliza o conhecimento, este último,
ainda que neutralizado, permanence: o quadro mais abstracto conserva sempre
alguma coisa de ‘figurativo’. Até mesmo no Quadrado Branco sobre Fundo Branco
de Malevitch o olhar reconhece alguma coisa, um ‘quadrado’ pintado sobre
um ‘fundo’ falso: adivinham-se aqui formas e fantasmas de formas. O quadro mais
informal mostra ainda pontos, manchas, contornos, ou materiais rugosos,
pregueados, lisos” (p.136).
É assim que a perturbadora
criação do Quadrado Branco e a do Quadrado Negro leva o pintor a considerar a
ruptura “total e definitiva com o mundo do objecto” (p.138).
Nasce a arte
abstracta, como Suprematismo.
Neste movimento, de
descoberta e de anulação, o que acontece à imagem como representação?
Permite o anular da
imagem dar lugar a novas formas ainda que não o desejem ser? Ou é imperioso
que, para existir negação, haja primeiro alguma forma de real que se negue?
E como podemos,
pintando, anular a pintura? Ou falando anular a palavra? Esvaziando o sentido?
Procurando um sentido no Vazio criado, adivinhado?
Encontro numa poema
recente de Manuel Alegre uma interrogação semelhante:
Depois do Branco
Quem sabe o que na página
se esconde
e se dentro do branco
está um muro
e se depois do muro não
há onde
e se depois do branco
é tudo escuro?
Quem sabe o que pode
acontecer
quando ao verso já
escrito outro se junta
e tudo está no verso
por escrever
e o que se escreve é
só uma pergunta?
Quem sabe o que se vê
e não se vê
se por dentro do
branco apenas cabe
esse nome que nunca
ninguém lê
e o verso que se sabe
e não se sabe?
( in NADA ESTÁ
ESCRITO, 2012 )
Este poema sublinha
uma contradição de fundo :
a do branco com o
escuro ( podia chamar-se negro, como na alquimia e teríamos claramente o jogo
de opostos da albedo com a nigredo); a da afirmação (do verso escrito) com a
pergunta (a dúvida).
Servem estas reflexões
para o aprofundamento da definição de Imagem? Imagem como representação ou
anulação de um real que na Arte perdeu o sentido?
Haverá sempre um
momento em que a energia profunda de uma ideia poderá apropriar-se da mão que
pinta, ou que escreve – e então nascerá uma Imagem: mais realista do que
outrora ( com os surrealistas, por exemplo) ou mais abstracta, mas representando sempre a pulsão que impele o criador nesse seu
gesto, que será sempre vivido como primeiro, primordial e fundador.
Sendo que este branco
de Manuel Alegre, como o do Quadrado de Malevitch, pressupõe uma revelação que o pintor, no seu tempo, também teve. Não a da
fusão intemporal de Rimbaud no
seu poema, mas a da anulação objectiva, temporal, que o branco sobre o branco permitiu, abrindo a
imaginação dos artistas a novos e revolucionários conceitos de produção artística.
O Suprematismo de
uns, abolindo o Simbolismo ou o Realismo de outros, está na base da produção
dos Modernistas em geral; e aqui se poderia aludir ao exemplo de Fernando
Pessoa e a um dos seus mais antigos e interessantes poemas, ALÉM-DEUS, datado
de 1913. Lança uma mesma interrogação, com a mesma carga metafísica, ao olhar o
rio Tejo:
“O que é ser-rio e
correr?
O que é está-lo eu a
ver?”
A descrição do que
sente conduz à imagem de “Vácuo”, o vazio que toma o lugar do momento ( o
tempo) e do lugar ( o espaço). Desta anulação da consciência nascerá a experiência
de Deus.
Veja-se através de
que passos:
“ Tudo de repente é ôco-
Mesmo o meu estar a
pensar.
Tudo – eu e o mundo
em redor-
Fica mais que
exterior.
Perde tudo o ser,
ficar,
E do pensar se me
some.
Fico sem poder ligar
Ser, idéia, alma de
nome
A mim, à terra e aos
céus.
E súbito encontro
Deus.”
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